A pele é o maior órgão do corpo humano, tendo como principais funções: proteção contra infecções, lesões ou traumas, raios solares e possui importante função no controle da temperatura corpórea como já vimos em aulas anteriores.
A pele é subdividida em derme e epiderme. A epiderme, histologicamente constituída das camadas basal, espinhosa, granulosa, lúcida e córnea é um importante órgão sensorial. Na derme, encontramos os vasos sanguíneos, linfáticos, folículos pilosos, glândulas sudoríparas e sebáceas, pelos e terminações nervosas, além de células como: fibroblastos, mastócitos, monócitos, macrófagos, plasmócitos entre outros.
FERIDAS
As feridas são conseqüência de uma agressão por um agente ao tecido vivo. O tratamento das feridas vem evoluindo desde 3000 anos A.C., onde as feridas hemorrágicas eram tratadas com cauterização; o uso de torniquete é descrito em 400 A .C.; a sutura é documentada desde o terceiro século A.C. Na Idade Média, com o aparecimento da pólvora, os ferimentos tornaram-se mais graves.
O cirurgião francês Ambroise Paré, em 1585 orientou o tratamento das feridas quanto à necessidade de desbridamento, aproximação das bordas e curativos. Lister, em 1884, introduziu o tratamento anti-séptico. No século XX, vimos a evolução da terapêutica com o aparecimento da sulfa e da penicilina.
CLASSIFICAÇÃO DAS FERIDAS
As feridas podem ser classificadas de várias maneiras: pelo tipo do agente causal, de acordo com o grau de contaminação, pelo tempo de traumatismo, pela profundidade das lesões, sendo que as duas primeiras são as mais utilizadas.
QUANTO AO AGENTE CAUSAL
1. Incisas ou cortantes - são provocadas por agentes cortantes, como faca, bisturi, lâminas, etc.; suas características são o predomínio do comprimento sobre a profundidade, bordas regulares e nítidas, geralmente retilíneas. Na ferida incisa o corte geralmente possui profundidade igual de um extremo à outro da lesão, sendo que na ferida cortante, a parte mediana é mais profunda.
2. Corto-contusa - o agente não tem corte tão acentuado, sendo que a força do traumatismo é que causa a penetração do instrumento, tendo como exemplo o machado.
4. Pérfuro-contusas - são as ocasionadas por arma de fogo, podendo existir dois orifícios, o de entrada e o de saída.
6. Perfuro-incisas - provocadas por instrumentos pérfuro-cortantes que possuem gume e ponta, por exemplo um punhal. Deve-se sempre lembrar, que externamente, poderemos ter uma pequena marca na pele, porém profundamente podemos ter comprometimento de órgãos importantes como na figura abaixo na qual pode ser vista lesão no músculo cardíaco.
7. Escoriações - a lesão surge tangencialmente à superfície cutânea, com arrancamento da pele.
8. Equimoses e hematomas - na equimose há rompimento dos capilares, porém sem perda da continuidade da pele, sendo que no hematoma, o sangue extravasado forma uma cavidade.
Também as feridas podem ser classificadas de acordo com o GRAU DE CONTAMINAÇÃO. Esta classificação tem importância pois orienta o tratamento antibiótico e também nos fornece o risco de desenvolvimento de infecção.
limpas - são as produzidas em ambiente cirúrgico, sendo que não foram abertos sistemas como o digestório, respiratório e genito-urinário. A probabilidade da infecção da ferida é baixa, em torno de 1 a 5%.
limpas-contaminadas – tabém são conhecidas como potencialmente contaminadas; nelas há contaminação grosseira, por exemplo nas ocasionadas por faca de cozinha, ou nas situações cirúrgicas em que houve abertura dos sistemas contaminados descritos anteriormente. O risco de infecção é de 3 a 11%.
contaminadas - há reação inflamatória; são as que tiveram contato com material como terra, fezes, etc. Também são consideradas contaminadas aquelas em que já se passou seis horas após o ato que resultou na ferida. O risco de infecção da ferida já atinge 10 a 17%.
infectadas - apresentam sinais nítidos de infecção.
CICATRIZAÇÃO
Após ocorrer a lesão a um tecido, imediatamente iniciam-se fenômenos dinâmicos conhecidos como cicatrização, que é uma seqüência de respostas dos mais variados tipos de células (epiteliais, inflamatórias, plaquetas e fibroblastos), que interagem para o restabelecimento da integridade dos tecidos. O tipo de lesão também possui importância no tipo de reparação; assim, em uma ferida cirúrgica limpa, há necessidade de mínima quantidade de tecido novo, enquanto que por exemplo em uma grande queimadura, há necessidade de todos os recursos orgânicos para cicatrização e defesa contra uma infecção. Na seqüência da cicatrização de uma ferida fechada, temos a ocorrência de quatro fases distintas: inflamatória, epitelização, celular e fase de fibroplasia.
Fase inflamatória - O processo inflamatório é de vital importância para o processo de cicatrização; de início, ocorre vaso-constricção fugaz, seguida de vaso-dilatação, que é mediada principalmente pela histamina, liberada por mastócitos, granulócitos e plaquetas com aumento da permeabilidade e extravasamento de plasma; possui duração efêmera de mais ou menos 30 minutos, sendo que a continuidade da vaso-dilatação é de responsabilidade de prostaglandinas.
Nos vasos próximos, ocorrem fenômenos de coagulação, formação de trombos, que passam a levar maior proliferação de fibroblastos. Alguns fatores plaquetários são importantes como o PF4 (fator plaquetário 4) que estimula a migração de células inflamatórias, e o PDGF (fator de crescimento derivado plaquetário), que é responsável pela atração de monócitos, neutrófilos, fibroblastos e células musculares lisas, e produção de colagenase pelos fibroblastos.
Os monócitos originam os macrófagos, bactericidas, que fagocitam detritos. Inibidores de prostaglandinas, por diminuírem a resposta inflamatória desaceleram a cicatrização.
Fase de epitelização - Enquanto que a fase inflamatória ocorre na profundidade da lesão, nas bordas da ferida suturada, em cerca de 24 a 48 horas, toda a superfície da lesão estará recoberta por células superficiais que com o passar dos dias, sofrerão fenômenos de queratinização.
Fase celular - No terceiro e quarto dia, após a lesão, fibroblastos originários de células mesenquimais, proliferam e tornam-se predominantes ao redor do décimo dia. Agem na secreção de colágeno, matriz da cicatrização, e formam feixes espessos de actina. O colágeno é responsável pela força e integridade dos tecidos.
A rede de fibrina que se forma no interior da ferida orienta a migração e o crescimento dos fibroblastos. Os fibroblastos não tem a capacidade de lisar restos celulares, portanto tecidos macerados, coágulos e corpos estranhos constituem uma barreira física à proliferação com retardo na cicatrização.
Após o avanço do fibroblasto, surge uma rede vascular intensa, que possui papel crítico para a cicatrização das feridas. Esta fase celular dura algumas semanas, com diminuição progressiva do número dos fibroblastos.
Fase de fibroplasia - Caracteriza-se pela presença de colágeno, proteína insolúvel, sendo composto principalmente de glicina, prolina e hidroxiprolina. Para sua formação requer enzimas específicas que exigem co-fatores como oxigênio, ferro, ácido ascórbico, daí suas deficiências levarem ao retardo da cicatrização.
São os feixes de colágeno que originam uma estrutura densa e consistente que é a cicatriz. As feridas vão ganhando resistência de forma constante por até quatro meses, porém sem nunca adquirir a mesma do tecido original.
Esta fase de fibroplasia não tem um final definido, sendo que as cicatrizes continuam modelando-se por meses e anos, sendo responsabilidade da enzima colagenase. Esta ação é importante para impedir a cicatrização excessiva que se traduz pelo quelóide.
A cicatrização pode se fazer por primeira, segunda e terceira intenção. Na cicatrização por primeira intenção, ocorre a volta ao tecido normal, sem presença de infecção e as extremidades da ferida estão bem próximas, na grande maioria das vezes, através da sutura cirúrgica. Na cicatrização por segunda intenção, não acontece a aproximação das superfícies, devido ou à grande perda de tecidos, ou devido a presença de infecção; neste caso, há necessidade de grande quantidade de tecido de granulação. Diz-se cicatrização por terceira intenção, quando se procede ao fechamento secundário de uma ferida, com utilização de sutura.
Nas feridas abertas (não suturadas), ocorre a formação de um tecido granular fino, vermelho, macio e sensível, chamado de granulação, cerca de 12 a 24 horas após o trauma. Neste tipo de tecido um novo fato torna-se importante, que é a contração, sendo que o responsável é o miofibroblasto; neste caso, não há a produção de uma pele nova para recobrir o defeito.
A contração é máxima nas feridas abertas, podendo ser patológica, ocasionando deformidades e prejuízos funcionais, o que poderia ser evitado, através de um enxerto de pele. Excisões repetidas das bordas diminuem bastante o fenômeno da contração.
Deve-se enfatizar a diferença entre contração vista anteriormente, e retração que é um fenômeno tardio que ocorre principalmente nas queimaduras e em regiões de dobra de pele.
Existem alguns fatores que interferem diretamente com a cicatrização normal: idade, nutrição, estado imunológico, oxigenação local, uso de determinadas drogas, quimioterapia, irradiação, tabagismo, hemorragia, tensão na ferida entre outros.
Idade - quanto mais idoso, menos flexíveis são os tecidos; existe diminuição progressiva do colágeno.
Nutrição - está bem estabelecida a relação entre a cicatrização ideal e um balanço nutricional adequado.
Estado imunológico - a ausência de leucócitos, pelo retardo da fagocitose e da lise de restos celulares, prolonga a fase inflamatória e predispõe à infecção; pela ausência de monócitos a formação de fibroblastos é deficitária.
Oxigenação - a anóxia leva à síntese de colágeno pouco estável, com formação de fibras de menor força mecânica.
Diabetes - A síntese do colágeno está diminuída na deficiência de insulina; devido à microangiopatia cutânea, há uma piora na oxigenação; a infecção das feridas é preocupante nessas pacientes.
Drogas - As que influenciam sobremaneira são os esteróides, pois pelo efeito anti-inflamatório retardam e alteram a cicatrização.
Quimioterapia - Levam à neutropenia, predispondo à infecção; inibem a fase inflamatória inicial da cicatrização e interferem nas mitoses celulares e na síntese protêica.
Irradiação - Leva à arterite obliterante local, com conseqüente hipóxia tecidual; há diminuição dos fibroblastos com menor produção de colágeno.
Tabagismo - A nicotina é um vaso-constrictor, levando à isquemia tissular, sendo também responsável por uma diminuição de fibroblastos e macrocófagos. O monóxido de carbono diminui o transporte e o metabolismo do oxigênio. Clinicamente observa-se cicatrização mais lenta em fumantes.
Hemorragia - O acúmulo de sangue cria espaços mortos que interferem com a cicatrização.
Tensão na ferida - Vômitos, tosse, atividade física em demasia, produzem tensão e interferem com a boa cicatrização das feridas
A grande complicação das feridas é a sua INFECÇÃO, sendo que os fatores predisponentes podem ser locais ou gerais. Os locais são: contaminação, presença de corpo estranho, técnica de sutura inadequada, tecido desvitalizado, hematoma e espaço morto. São fatores gerais que contribuem para aumentar este tipo de complicação: debilidade, idade avançada, obesidade, anemia, choque, grande período de internação hospitalar, tempo cirúrgico elevado e doenças associadas, principalmente o diabetes e doenças imunodepressoras. Outras complicações são a HEMORRAGIA e a DESTRUIÇÃO TECIDUAL.
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